Bienal de Arquitetura – para todos?
Enquanto eu me preparava para mais um evento sobre acessibilidade não tinha ideia de que esse se tornaria o assunto para a minha próxima coluna aqui no Vida Mais Livre. Tinha várias propostas de temas que queria escrever, quando uma mais urgente me tomou de assalto.
No dia 02 de novembro de 2011 teve início, no prédio da Oca no Parque do Ibirapuera, a 9ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (Nona Bia), organizada pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), sob o tema “Arquitetura Para Todos – Construindo Cidadania”. A Bienal de arquitetura sempre procura reunir o que há de melhor na produção de arquitetura mundial . Participando de dois eventos da Bienal voltados para a reflexão da acessibilidade e do desenho universal, pude vivenciar o quanto “a arquitetura para todos” estava somente no nome.
As atividades propostas eram: workshop com vivência em cadeiras de rodas, muletas e vendas no dia 01/12 e debate com diversos especialistas da área (Arq. Silvana Cambiaghi, Arq. Maria Elisabete Lopes, Arq. Mara Elisa de Carvalho, Arq. Eduardo Flores Auge, Arq. Rogério Romeiro e eu) para discutir o tema “Desenho Universal – Arquitetura do Século XXI” no dia 02/12. As nossas atividades pareciam casar muito bem com o tema desta Bienal, até nos depararmos com um grande problema: acessibilidade. Ou melhor, a falta dela.
O auditório do prédio da Oca onde estavam acontecendo todos os eventos, onde fomos convidados a participar, não é acessível. Rampa extremamente inclinada na entrada do auditório, degraus do lado de dentro na plateia, para chegar à frente, e no palco . Como pode um palestrante que usa cadeira de rodas ser convidado para falar em um local sem acessibilidade (e sobre acessibilidade!)? E ainda por cima, em um evento organizado por um instituto de arquitetos! E foi isso que ocorreu com a Arq. Silvana Cambiaghi no primeiro dia. E segundo ela, é até mais comum do que se imagina.
As palavras que passam por minha cabeça são: vergonha, decepção, tristeza… É isso que os arquitetos entendem de arquitetura para todos? É dessa fonte que os estudantes de arquitetura vão beber? Pessoas com deficiência não eram bem-vindas nos seminários e debates que ocorreram durante a Nona Bia? De que adianta tantas leis, tantas normas, tantos manuais orientativos, se os arquitetos acham que a acessibilidade é um apêndice da arquitetura? Ou pior, um câncer que prejudica seus projetos?
Peço desculpas pela minha revolta, mas naquele momento senti-me decepcionada com os arquitetos. Até agora custo a acreditar que, a mostra máster da arquitetura brasileira, organizada por arquitetos e abordando um tema como esse, dê as costas para a acessibilidade, pura e simplesmente. Ainda mais triste foi ver o boletim da Nona Bia enviado pelo IAB-SP no dia seguinte do workshop, relatando o evento com a seguinte frase: “Primeira constatação: problemas de acessibilidade na própria Oca”. A constatação só veio após cerca de um mês do início da mostra porque não houve um profissional interessado em saber se o local era acessível para todos.
Sei que tenho colegas conscientes de seu dever social, afinal, está em nossas mãos garantir um direito primordial de todos: o de ir e vir. Que poder fantástico nós temos! Agora falta que os profissionais de forma global saibam o que isso significa.
Alguns vão dizer: “mas o prédio da Oca é tombado”. É sim, e daí? Os cidadãos com deficiência também querer fazer uso desse espaço coletivo e se reconhecer neste patrimônio de todos. Alternativas existem e devem ser avaliadas e aplicadas. Isso acontece no mundo todo e inclusive no Brasil. Bom, acessibilidade e patrimônio é um tema que me interessa especialmente, alguns já sabem. Não vou me estender aqui sobre esse tema, pois acho que dá pano pra… uma outra coluna!
Pudemos constatar outros problemas durante a experiência: banheiros acessíveis quebrados e ausência de bebedouros e balcões acessíveis. Infelizmente, a arquitetura demonstrada na prática na Nona Bia não foi para todos. Felizmente, o debate do segundo dia foi muito interessante (infelizmente sem a presença da Arq. Silvana Cambiaghi, que foi impedida de participar). Ao invés de discutirmos a arquitetura do Século XXI, discutimos o porquê de não estarmos ainda na arquitetura do século XXI. Espero que na próxima Bienal de Arquitetura o debate possa avançar.
originalmente publicado na minha coluna no Portal Vida Mais Livre